ÁLCOOL E MEDICAÇÃO PSIQUIÁTRICA

Uma péssima combinação

Rubens Mazzini Psiquiatra

9/16/20236 min read

ÁLCOOL E MEDICAÇÃO PSIQUIÁTRICA - UMA PÉSSIMA COMBINAÇÃO

Caso prefira em formato audiovisual assista ao vídeo.

Frequentemente as pessoas que precisam fazer uso de medicação psiquiátrica me perguntam se podem fazer uso de cerveja, vinho ou outras bebidas alcoólicas ao mesmo tempo, apesar de a resposta ser quase óbvia e apesar de isso estar claramente avisado na bula de todos os medicamentos psiquiátricos, alerta que, lamentavelmente, costuma ser subestimado pela maioria.

Por quê então a dúvida permanece?

A meu ver há várias razões (mitos) para isso, algumas de motivação individual e outras de cunho social e cultural:

- As pessoas que estão acostumadas a fazer uso de bebidas alcoólicas por qualquer motivo não querem abrir mão do prazer associado ao uso das mesmas.

- Muitas pessoas fazem uso de álcool como se fosse uma espécie de medicamento, seja para aliviar a tensão e a ansiedade como para ficar mais alegre e animado em uma festa ou contornar a timidez.

- Não é raro pessoas usarem as bebidas alcoólicas, especialmente o vinho, para manejar a insônia.

- Para os homens, de modo geral, o uso de bebida alcoólica está associado à masculinidade, havendo uma crença de que quanto mais álcool ele usa mais "macho" e é.

- Há uma pressão muito grande do grupo social, especialmente em situações festivas, de se fazer uso de bebidas alcoólicas. Já se tornou um traço cultural a associação entre alegria e bebida alcoólica, tanto que a própria publicidade explora esse aspecto.

Todas essas razões são, no entanto, mais MITOS do que verdade. Um MITO é algo em que as pessoas acreditam e que se torna uma verdade inquestionável.

Um desses MITOS é manifestado na expressão comum: "Qual o problema? Todo mundo bebe." Não é verdade que "todo mundo bebe", pelo menos 20% das pessoas nunca fazem uso de bebida alcoólica porque não se sentem bem com elas. Esse não se sentir bem sob efeito do ácool é de fato um sinal de boa saúde mental. As motivações para o uso de álcool, na verdade, costuma estar associadas a algum sintoma maior ou menor de algum tipo de doença mental ou sofrimento emocional.

Por exemplo:

- O prazer da intoxicação alcoólica está associado a algum grau de infelicidade e insatifação com a vida, que é compensado pelos efeitos do álcool (isso vale para todas as demais drogas).

- O uso para aliviar a tensão e ansiedade já é uma evidência de que a pessoa já está sofrendo em algum grau de sintomas de má saúde mental.

- A insônia é um sintoma que está presente na quase totalidade das doenças mentais e é um sintoma muito comum de algum sofrimento emocional passageiro ou permanente.

- O uso da bebida para exaltar a masculinidade na verdade esconde uma insegurança em relação à própria mesculinidade, que faz com que o indivíduo precise fazer "demonstrações" de macheza, como é o ato de beber, especialmente em grande quantidade.

- A pressão social para o uso é reveladora de uma má qualidade de vida e de saúde mental coletiva que permeia toda a sociedade, levando à necessidade do uso de bebidas alcoólicas como paliativo.

O que torna isso ainda mais grave é que o álcool não apenas mascara os sintomas de alguma doença mental como tende a agravá-los com o tempo, sendo que, muitas vezes, esse uso leva a algum grau de dependência. Quase sempre o alcoolismo (dependência de álcool) é causado por um desses fatores,

Por essas razões o álcool é um "mau remédio", que causa mais dano do que qualquer benefício passageiro que possa oferecer.

Os próprios médicos, de modo geral, têm algum quinhão de culpa ou responsabilidade em relação a iso. Pois, além de muitos deles também fazerem o chamado "uso social" de bebidas alcoólicas, considerado como "normal", acham mais fácil consentir que os pacientes façam uso "moderado" de álcool do que tentar dissuadi-los e explicar as razões para isso, coisa que pode até fazer com que o paciente procure outro médico que seja mais condescendente ou "liberal" em relação ao uso de álcool e drogas. Considero isso uma verdadeira targédia, ou seja, a mitologia do álcool está arraigada inclusive entre os membros da classe médica.

Existe um alto índice de associação entre álcool e transtornos de ansiedade e depressão, em especial o Transtorno Bipolar. Cerca de 30 % dos pacientes que desevolvem alcoolismo são portadores de Transtorno Bipolar. O uso de álcool agrava sobremaneira e evolução do transtorno Bipolar, pois o álcool, ao contrário dos medicamentos usados no tratamento, é um desestabilizador do humor, podendo causar tanto euforia quanto depressão, fazendo portanto o estado de humor da pessoa oscilar mais ainda, tendo e o efeito exatamente contrário dos medicamentos usados no tratamento: os estabilizadorer do humor.

Além disso há uma vasta gama de problemas de saúde, tanto física quanto mental, que podem ser causados ou agravados pelo uso de álcool, além de inúmeros problemas de ordem social.

As doenças físicas que podem ser causadas ou agravadas pelo álcool são inúmeras, entre elas: gastrite, esofagite, cirrose, pancreative, colecistite, diabete, hipertensão, cardiopatia isquêmica, miocardiopatia alcoólica (uma doença cardíaca exclusiva de quem usa álcool), câncer de boca, laringe, esôfago, estômago e intestino (especialmente quando associado ao tabagismo), déficit cognitivo e demência alcoólica (semelhante ao Alzheimer), acidente vascular cerebral.

Quanto as doenças mentais, TODAS elas são agravadas pelo uso de álcool e em muitas delas o álcool funciona como fator desencadeante e causador. Muitos jovens que iniciam o uso de álcool precocemente na adolescência acabam, por exemplo, apresentando déficit de atenção, devido ao dano que o álcool causa no cérebro prejudicando o desenvolvimento do lóbo pré-frontal, essencial para os processos de atenção, concentração e memória.

A mistura de bebidas alcoólicas com medicações psiquiátricas possuem um potencial de dano ainda maior, pois, além de prejudicar o tratamento, a associação pode potencializar todos os efeitos colaterais dos medicamentos e trazer alguns efeitos extras. Um recente estudo publicado na revista Neurology, por exemplo, demonstra que o uso de álcool associado aos antidepressivos traz um aumento de 10 vezes no risco de Acidente Vascular Cerebral (AVC) além de aumentar seriamente o risco de convulsões.

Alguns sintomas associados ao uso de álcool e medicamentos icluem:

- Náuseas e vômitos.

- Cefaléias (dor-de-cabeça e enxaqueca)

- Tontura

- Sonolência excessiva diurna

- Desmaios

- Alterações na pressão arterial (hipotensão ou hipertensão)

- Alterações do comportamento (impulsividade, irritabilidade, valentia e agressividade)

- Diminuição dos reflexos e perda da coordenação motora

- Diminuição da capacidade de atenção, concentração, aprendizado, raciocínio e solução de problemas.

Um dos piores perigos é a associação de álcool com benzodiazepínicos, mais conhecidos como "tarja preta", medicamentos muito usados no tratamento da ansiedade e insônia, que por si só podem causar efeitos colaterais semelhantes aos do álcool e que, portanto, são potencializados pelo uso de álcool. Essa associação é responsável por muitos acidentes de todo tipo, especialmente de automóvel. Isso acontece porque o álcool e os benzodiazepínicos possuem o mesmo mecanismo de ação, ambos atuam sobre o sistema gabaérgico, mediado por um neurotransmissor chamado GABA.

Danos de ordem social:

- Aumento de acidentes de trânsito e de todos os tipos (quedas, acidentes do trabalho, etc).

- Aumento do risco de violência doméstica

- Aumento do risco de abusos sexual

- Aumento do risco de agressão com dano corporal

- Aumemto do risco de homicídio

- Aumento do risco de suicídio

O álcool é o maior fator de risco isolado para todos esses eventos.

Para complicar um pouco mais, o álcool também é uma grande causa de perda de emprego e desemprego, além de aposentadorias precoces por invalidez causada por alguma doença relacionada ao uso de álcool.

Isso nos leva a conclusão inevitável de que o álcool é uma das maiores causas de infelicidade e desgraça para a humanidade, muitas das quais poderiam ser evitadas apenas eliminanto o uso de álcool da vida das pessoas. O álcool é exclente para ser usado como produto de limpeza e como combustível, mas, colocá-lo para dentro do organismo é sinônimo de sofrimento, doença, tragédia e morte precoce. Por esses motivos, a prevenção do uso e abuso do álcool e drogas tem sido uma das maiores preocupações na minha atuação como psiquiatra, especialmente na área da saúde pública.

Na próxima vez que algum amigo perguntar sobre o uso de álcool e medicação ofereça-lhe a leitura desse artigo.

Referências:

Treatment of Depression in Patients With Alcohol or Other Drug Dependence

Alcohol and rapid antidepressants have same effects on the brain

Rethinking the Use of Antidepressants to Treat Alcohol Use

Using Alcohol in Conjunction with Antidepressant Drugs
Antidepressants and alcohol: What's the concern? - Mayo Clinic